quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

O Natal de Poirot, Agatha Christie e reflexões

Fig. 1 O Natal de Poirot, Agatha Christie. Lido de 21 a 27/12/2017.
Fim de ano, boas festas, espírito natalino, época de perdoar, se doar, praticar o bem... Ou não! Agatha chega arrasando com esse livro para quebrar o paradigma do "feliz natal". Paradigma esse que nós bem sabemos que é, na verdade, bem difícil de se manter a cada ano que passa. Vai dizer que não? Seu fim de ano é tranquilo, cheio de paz e boa vontade? Ata. É melhor ser verdadeiro e mostrar a que se vem do que ficar guardando sentimentos. Precisamos aprender a lidar com os sentimentos ruins, que podem brotar em qualquer época do ano (aproveita e vê esse vídeo aqui). Seguindo esse pensamento, Hercule Poirot diz:
"O resultado de uma pessoa fingir-se mais afável, com maior capacidade de perdoar, de espírito mais elevado do que realmente possui, provoca, mais cedo ou mais tarde, um comportamento mais hostil, mais impiedoso, mais desagradável do que o momento exige! Se você reprime a corrente do comportamento natural, mon ami, mais cedo ou mais tarde a represa arrebenta e ocorre um cataclismo!" p. 72

Essa pequena introdução foi pra dizer que esse ano, pela primeira vez na vida, escolhi um livro especial para ler no natal. Pois é! A maratona literária que postei aqui, na minha retrospectiva (antes da Fantastona), sugeria "ler um livro de temática natalina", e quando eu dei de cara com isso, imediatamente revirei os olhos e pensei: que coisa mais sem graça, não vou ler. Mas aí, o mundo dá voltas. Eis que eu comprei mais uma caixinha da coleção da Agatha Christie e lá estava ele: O Natal de Poirot. Pensei: ora, por que não? Vamos ver o que consigo tirar de bom daqui, uma vez que, na maioria dos anos, eu tenho uns ataques meio Grinch e quero apenas que tudo se exploda (mentira - vai que acontece alguma coisa trágica ao meu redor e algum detetive resolve ler o meu blog e, enfim, vocês entenderam, rs). Esse ano foi um pouquinho diferente em tudo, no geral. Tive meus ataques? Tive sim. Porém, bem menores que em outras ocasiões. Muito disso devo a Agatha que me trouxe esse livro cheio de sangue (brincadeirinha, risos). 

Mas chega de papo furado, vou começar logo a falar sobre minha experiência com o livro e com a Agatha.

Pra começo de conversa, não sou uma leitora ávida da Agatha Christie. Antes desse, só li um livro dela (Crimes ABC) há muito tempo atrás (de novo no meu longínquo Ensino Médio) porque um amigo queria saber se era bom. Eu lia rápido e não ia me doer ler aquele livro que era tão curtinho (quem diria que anos depois eu ia virar blogueirinha de resenha literária, hein?). Lembro que gostei, mas só aquele livro não me instigou a ler outros. Apenas guardei a informação de que o estilo me agradava, porque da história nada mais me lembro. Até que em 2016 a editora HarperCollins  Brasil começou a relançar os livros da Agatha em edição de luxo, capa dura, redesenhada, organizadas em caixas, tudo muito lindo. E aquele visual todo me conquistou. Além da oportunidade de, finalmente, conseguir começar uma coleção dela e ter a oportunidade de conhecer melhor a obra dessa grande escritora, Rainha do Crime.

Nota: Estou com muito medo de postar algum spoiler aqui, então vou fazer diferente nessa resenha. Vou postar a sinopse como veio na contra capa do livro e vou fazer leves comentários com as minhas opiniões sobre o livro. 

Sinopse oficial

"Para a maioria das pessoas, o Natal é uma época de paz e harmonia, em que famílias se reúnem e deixam de lado suas diferenças em nome de valores como o amor e o perdão. Mas Hercule Poirot sabe quão mal essas confraternizações podem terminar… 

Acompanhado do coronel Johnson, nosso detetive belga é convidado a investigar um caso de assassinato ocorrido na mansão de um velho e odioso milionário, na véspera do Natal. Quem seria capaz de algo tão atroz, arruinando a noite de todos? Bem, aparentemente, cada membro dessa família tinha motivos bem particulares para tirar a vida de seu patriarca. Como Poirot encontrará o verdadeiro culpado no meio desse covil de lobos?"

Sobre o livro / Opiniões

O livro tem uma linguagem muito fluida e é repleto de diálogos, o que facilita muito a leitura para mim. Gostei muito também da estrutura do livro, que foi dividido em partes de acordo com as datas em que as coisas foram acontecendo, começando no dia 22 de dezembro, dia a dia, até chegar ao dia 28, com a resolução. Tentei até seguir as datas do livro durante a minha leitura, mas acabei não conseguindo (foi bem difícil parar para ler na véspera e dia de natal, mas consegui concluir rapidamente em seguida, antes ainda do final no dia 28, rs).

A primeira parte do livro, como de praxe, acontece devagar com a introdução dos personagens (mas sem se prolongar tanto, deixando até esse início interessante). O anfitrião tinha muitos filhos e não era - digamos - tão querido assim. Basicamente, todo mundo tinha motivos para querer vê-lo morto.
"Todos têm de morrer! A vida é assim, não é? E se a morte vem rapidamente do céu, bum!, assim, de uma maneira ou de outra, dá no mesmo. A gente vive durante um período, claro, e depois morre. É isso o que acontece neste mundo." p. 16
Minha experiência de leitura foi: ler e desconfiar de tudo e todos. Mesmo assim eu fui surpreendida. Sente a genialidade dessa mulher! 

Gostei de como o livro aborda as características dos personagens, suas individualidades e questões pessoais. Mas não esquece que são todos humanos, passíveis de qualquer coisa. 
"Acho que o senhor foi mau, mas gosto disso também. É mais real que as outras pessoas desta casa." p. 50
E no meio das discussões e interações que o livro traz, questões interessantes sobre como levar a vida são levantadas.
"Acho que o presente é o que importa - argumentou Hilda -, não o passado! O passado tem que sumir. Se tentamos manter vivo o passado, acabamos, penso eu, por distorcê-lo. Nós o vemos de maneira exagerada... é uma perspectiva falsa." p. 30
Essa foi um tapa na minha cara! Verdades ao vento... Acho que todo mundo deve ter uma coisinha ou outra (ou coisas enormes mesmo, rs) que prendem a gente ao passado. Esse livro mostra casos como esse com superação. De como é bom se desapegar. Vencer o rancor, perdoar de verdade. Uma pena que nem sempre (nunca) essas coisas são tão fáceis. O livro também fala muito sobre a questão da herança. Não só a herança material, como a emocional também.
"(...) um homem não vive e morre apenas para si mesmo. Aquilo que tem, ele transfere..." p. 206
Por fim, o detetive Poirot fala uma coisa que mexeu comigo também. 
"Não tenho medo da loucura - disse Hercule Poirot -, e sim da lucidez!" p. 193
Será que não é mais coerente ter medo da lucidez, ao invés da loucura? Porque a lucidez mexe com o que é real. E daí se "parece uma casa de doidos"? As aparências podem enganar, e como! É preciso ir mais a fundo, buscar o que é verdadeiro no meio da bagunça. E o Poirot faz isso com maestria. Comparando aqui rapidamente o Poirot com o conhecido Sherlock Holmes, percebi aqui uma diferença crucial. O Poirot é muito mais humano. Enquanto o Sherlock analisa tudo "de fora", observando características gerais friamente (e maravilhosamente também), Poirot vai fundo. Ele tenta entrar na cabeça das pessoas e analisar "por dentro". E usa a lógica de forma genial, à sua maneira. Achei interessante fazer esse comparativo, por ter tomado gosto pelo Sherlock "recentemente" (acompanhando a série da BBC e lendo um conto e um romance no ano passado).

Ressalva

Apesar de ter gostado do livro e da história de maneira geral, queria comentar rapidamente sobre algumas ressalvas que tive durante a leitura. Tiveram algumas passagens que generalizaram bastante a definição de mulher e me deixou um pouco incomodada com o que estava lendo.
"As mulheres? As mulheres não costumam cortar o pescoço de um homem a sangue-frio." p. 99 
"Bem, as mulheres são imprevisíveis! Mentem descaradamente por um homem." p. 139
Mas, ao mesmo tempo, a Agatha colocou mulheres fortes em papeis importantes e jogou essa aqui:
"O mundo é muito cruel com as mulheres. Elas têm de se arranjar enquanto são jovens. Quando ficam velhas e feias, ninguém se dispõe a ajudá-las." p. 188
De repente, para um livro lançado originalmente em 1938, isso pode ser considerado um avanço. Talvez não tenha sido nem algo ruim da leitura em si, mas uma questão que ela quis levantar sobre situações que existiram e ainda existem dessa forma e que incomoda mesmo. E que bom que incomoda, porque cada vez mais nós podemos fazer algo sobre isso. Acredito que no desenvolvimento da história, mesmo com esses poréns, no final das contas todos foram considerados sem diminuição de gênero (apesar da mulher ainda ser considerada mais frágil, mas não menos capaz). Essa era uma questão que eu gostaria de discutir melhor com outras pessoas, então deixo aqui esse ponto em destaque. 

6 comentários:

  1. Esse lance de distorcer o passado é bem real, tudo fica mais intenso, tanto os momentos bons ficam perfeitos quanto os momentos ruins ficam piores e na real nada foi 8 ou 80 assim. Por isso é importante desapegar do passado e do futuro e focar em viver no presente, como é difícil!!
    Sobre as passagens machistas acho que é inevitável, vide a própria crítica do especial de doctor who. Nessa época, nem discutir gênero se discutia ainda... Mas é sempre bom manter o senso crítico e ver que as coisas são melhores hoje (ainda que estejam longe das ideais).

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    1. Sim, eu adoreeeeei esse quote sobre as coisas do passado. Porque é tão isso mesmo! E é tão difícil pra mim enxergar. D: Sim, esse lance da época é complicado. Em Doctor Who eu fiquei pensando se foi mesmo necessário... Mas é, no geral estamos caminhando, mas ainda tem muito pra caminhar ainda. rs Continuemos na luta!

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  2. Não lembro se li esse livro, mas me deu vontade de ler ou reler de qq forma XD
    Isso dos momentos que ficam piores ou melhores, depende muito da memória emocional de cada um. No geral nossa memória prega peças mesmo. Por isso não estamos seguros dentro da nossa cabeça.
    Gostei como você destrincha as passagens do livro e coloca exemplos, eu não teria essa paciência.
    Feliz que está falando de Agatha, uma das minhas favoritas e rainha da minha adolescência. Amém Cefet.
    Personagens as vezes fazem esses comentários, mas é muito da visão deles. Agatha Christie gosta de lidar com a natureza humana e psicologia, ainda mais quando está escrevendo Poirot, já que essa é sua característica principal de análise. Às vezes ele declara algumas verdades absolutas a respeito de homens, mulheres, ricos e pobres, coisas assim, mas mesmo ele não é um ser perfeito. Poirot é um cara metido e cheio de defeitos, então isso pra mim mora naquele espaço entre o problemático e o aceitável.

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    1. Sobre o destrinchamento, é pra isso que servem aqueles marcadores adesivos e motivo pelo qual gasto tantos. PIHSAFIPAD Eu gosto de ir marcando tudo que me chama atenção e é comentável, depois revejo tudo pra ver o que dá pra realmente usar. rs Eu lembro de vocês sempre comentando da Agatha desde antigamentes, pena que eu não aproveitei tanto naquela época em que tinha tantos disponíveis e tanta disposição pra leituras rápidas. Mas acho que eu gostava mais de aventura e fantasia mesmo, rs acabei me aprofundando neles e deixei algumas coisas pra trás. :( Me resta tirar o atraso agora, nunca é tarde! xD Achei muito interessante mesmo essa coisa de investigar o humano, usando o psicológico como ele usou. Deixa tudo bem mais profundo, com certeza vou ler mais coisas dela asap. Os comentários machistas que destaquei desse livro nem foram do Poirot, mas de outros personagens masculinos meio secundários mesmo. Mesmo assim, né? Incomoda, mas eu sigo culpando a época. O restante é muito bom pra deixar de ser aproveitado. Com certeza a Agatha é muito rainha sim.

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  3. Eu só li um livro até hoje que me lembre, Assassinato no expresso do oriente, mas super recomendo. Fiquei interessada em ler mais dela depois das reflexões e citações.
    Sobre deixar o passado é algo que estou tentando agora. Viver o presente sempre foi uma dificuldade pra mim, mas vamos lá, me convenceu a não desistir rs.
    Adoro essa coisa da tentativa de leitura mais profunda dos personagens, adoro autores com descrições de personagens assim e quando vc junta tamanho detetive é certeza de uma boa leitura.
    Sobre a visão feminina eu faço a observação do tempo e acho até muito progressiva a visão dela. Pensa na raridade de escritoras mulheres fortes e como ela revolucionou escrevendo num estilo que não é o romance romântico?

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    1. Ah, Assassinato no expresso do oriente é o próximo dela na minha lista! Ainda mais que saiu um filme novo recentemente, rs quero aproveitar pra ler antes de assistir. =) Fico feliz que tenha ficado com vontade de ler mais dela! Se quiser depois a gente escolhe um livro pra fazer uma leitura conjunta. Também adoro personagens mais profundos, dá pra imaginar bem melhor como seria estar vivendo na pele deles, eu acho. Torna a experiência de leitura mais próxima. E sobre o que você falou da visão feminina, realmente, vendo por esse lado a Agatha é mesmo progressista. Claro que vai ter uma coisinha ou outra que pra gente, hoje em dia, vai incomodar. Eu tenho que tentar fazer uma divisão melhor disso, de repente.

      Ah, e obrigada pela visita e comentário aqui. ^^

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