quinta-feira, 25 de maio de 2017

Dia do orgulho nerd, Neil Gaiman e Deuses Americanos

NÃO ENTRE EM PÂNICO! Opa, pera...

Lido de 02-04 a 22-05-2017

Hoje é o Dia do Orgulho Nerd e eu corri pra conseguir homenagear e deixar registrada aqui essa data que pra mim é tão especial. Não venho com Douglas Adams li sua trilogia de cinco (que virou 6?) faz muito tempo e não lembraria tanto dos detalhes pra comentar melhor, que seria talvez o mais adequado, já que a data é também em homenagem ao autor com o Dia da Toalha; nem com Star Wars, que seria o mais óbvio, até pela data 25 ser em homenagem a estreia do primeiro filme da saga (25 de maio de 1977) eu até comecei a ler o Marcas da Guerra, livro que se passa antes do filme mais recente - Despertar da Força - mas-porém-contudo-entretanto-todavia, ainda não deu pra terminar, mas com Deuses Americanos do Neil Gaiman, que era o que eu tava lendo desde abril, socorro, afinal nerds também têm gostos variados, não é mesmo? rs 



Primeiras impressões / sentimentos


Eu tinha acabado de sair de uma leitura mais rebuscada que sucedeu uma leitura que trazia um assunto muito novo pra mim, então voltar a ler Neil Gaiman foi o carinho que eu tava devendo a mim mesma. Porque eu amo, não nego, leio sempre que posso. Neil Gaiman costuma trazer nos seus livros muitas das coisas que eu gosto e me familiarizo muito, então ler mais um livro dele é como voltar pra casa. A leitura é muito fluida; o mundo fantasioso costuma ser bastante encantador e mágico; sonhos como pano de fundo são instigadores, misteriosos e curiosos. Mas acabou que Deuses Americanos demorou pra mostrar pra mim toda essa pegada clássica do Gaiman. Não sei se eu que mudei e estava mais crítica depois de ter aumentado um pouquinho mais minha bagagem, mas eu até me incomodei com algumas falas um tanto quanto machistas no texto. Rolou um choque de realidade pra mim e confesso que fiquei um pouco triste, mas com o desenrolar da história isso foi diminuindo e parou de me incomodar. A história já estava mais uma vez me prendendo. O livro acaba muito bem, amarra todas as pontas - até assuntos que aparentemente tinham sido deixados de lado do começo/meio da história acabam sendo retomados, explicados e concluídos - o que me deixou bastante surpresa e feliz. Mas achei o meio da história um tanto arrastado. O mistério poderia ter sido melhor trabalhado, personagens poderiam ser mais cativantes - não que não fossem, a sua maneira -, mas não senti muito daquele clique familiar com essa história. Demorou pra chegar lá pra mim, e assim o livro que era pra ter sido um descanso, acabou mais uma vez sendo arrastado. Mas o final me pegou pela mão, me sacudiu, me deslumbrou e me cativou completamente. <3


Sobre o livro


O livro foi publicado em 2001 e a edição que tenho em mãos e li foi uma edição especial publicada 10 anos depois pela Conrad sim, aquela editora que publica mangás também publica livros. (Infelizmente não foi a edição nova da Intrínseca que inclui texto de introdução do autor e mais algumas outras coisas, como um manuscrito extra que mostra um trecho em que o personagem encontra com Jesus e que ficou de fora da versão final do livro mas já estou esquematizando pra pegar emprestada essa edição e conferir esses extras aí.) O livro foi muito bem recebido pelo público, desde o seu lançamento até agora. Além de ganhar os prêmios Hugo e Nebula em 2002; Gaiman fez uma extensa turnê para comemorar os 10 anos do livro; e recentemente foi adaptado para o formato de série pela Starz, escrita por Bryan Fuller que também fez Hannibal, Pushing Daisies e Dead Like Me - dessas só assisti essa última e adorei, na época, e com o Neil Gaiman como produtor executivo.

Indo direto ao assunto: o livro é uma ficção fantasiosa que se baseia em mitos e localidades do mundo real para levantar questões que envolvem, de certa forma, a diversidade religiosa em terras americanas. A crença em deuses antigos e novos e como isso acontece - ou não - na atualidade. Os deuses antigos teriam chegado em terras americanas devido a crença dos imigrantes, e acabaram sendo levados junto. Para existir, precisavam que as pessoas continuassem acreditando. Isso acaba sendo difícil de ser mantido muitas gerações depois, considerando os avanços tecnológicos e dinâmica do mundo atual.

"Diz que a linguagem é um vírus, que a religião é um sistema operacional e que as orações são a mesma coisa que a porra do spam."

O protagonista, Shadow Moon, é apenas um humano que passou por circunstâncias mundanas que o levaram a cumprir uma pena de três anos de prisão. Logo no início do livro ele está terminando de cumprir sua pena e vai sair pra voltar a sua vida normal, com sua esposa - Laura - e um emprego a sua espera. De repente tudo “dá errado”, sua esposa morre junto com seu amigo que ia empregá-lo, e ele começa a trabalhar para um cara misterioso - um cara de muitos nomes, mas que no momento atende por Wednesday - que oferece tudo o que Shadow parece precisar pra continuar.

"- Você é um cara fodido, mas é legal.
- Acho que é o que chamam de condição humana."

Shadow passa por muitas situações impostas pelo seu novo chefe e ao mesmo tempo começa a ter uns sonhos estranhos que parecem envolver deuses. Os tais deuses antigos e novos estão numa espécie de disputa por espaço para existir, precisam ser idolatrados para ter força. Como tudo tem seu lado e seu contexto, é difícil dizer se existe um lado certo ou errado, “do bem” ou “do mal”. Tudo é um meio termo, uma mistura, muito dinâmico e confuso. Bem como a vida. 

"- Só me diz que você está do lado do bem.
- Não dá. Queria que desse. Mas estou fazendo o melhor que posso."

"De qualquer jeito, é tudo imaginação. Por isso que é importante. As pessoas só brigam por causa de coisas imaginárias."

Essa dinâmica da história foi uma das coisas que eu achei mais interessantes do livro como um todo. Nada é fixo. Não existe 8 ou 80. Nem nas coisas mais básicas, como o estado de vida ou morte. Essa, inclusive, foi por boa parte do livro a minha parte favorita. Quando, de repente, a Laura volta como morta-viva e Shadow precisa lidar com isso. Esse foi o mistério que me prendeu antes de chegar no final, nas duas últimas partes do livro que me cativaram completamente e eu ficava ansiosa por mais notícias dela ou de como ele faria para ajudar ou até mesmo lidar com aquela situação inusitada.

"- Estou cansado de mistérios.
- É? Acho que eles dão um toque especial ao mundo. Igual ao sal em um cozido."

"Vocês falam sobre os vivos e sobre os mortos como se fossem duas categorias mutuamente excludentes. Como se um rio também não pudesse ser uma estrada, ou como se uma música não pudesse ser uma cor."

Mas o roteiro não é assim tão simplório, lembra que o Wednesday era tido como um trapaceiro?

"Tinha trapaça. Mas era o único jogo disponível na cidade."

Com toda essa premissa e motivações a história se desenrola, sempre levantando questionamentos muito interessantes sobre acreditar ou não; o que é certo ou errado e até onde podem ir esses conceitos; dinâmicas da vida em sociedade, envolvendo cidades grandes e pequenas; o que é estar vivo ou morto, vivo-morto ou morto-vivo (porque às vezes nós estamos vivos mas não estamos vivendo plenamente); senso de direito e dever; e até - surpreendentemente - um pouquinho do que daria pra considerar um estilo policial. 

Por fim, fica o pensamento: 

"Acho que prefiro ser homem do que deus. A gente não precisa de ninguém para acreditar na gente. A gente vai seguindo em frente de qualquer jeito. É o que fazemos."

E esse quote que me define na vida:

“É igual a um daqueles sonhos que provoca transformações. Você guarda um pouco do sonho para sempre e sabe algumas coisas lá no fundo da alma, porque aconteceram, mas, quando vai procurar os detalhes, eles fogem da mente.”

É válido ressaltar também que o plot todo é muito rico, criativo e original. Consegue unir várias mitologias com certa riqueza de detalhes. Ao final de alguns capítulos da narrativa central é possível encontrar alguns contos que dizem como que tais deuses chegaram aos EUA e um pouco da história deles. Essas historinhas vêm junto com um título contendo a localização e uma data “histórica”, o que traz uma ideia de veracidade pra mitologia em questão e une os mitos à história central de forma indireta. Achei o livro é muito close certo no quesito diversidade religiosa/discutir religião, uma vez em que ele em momento algum puxa sardinha pra quaisquer das religiões, mostra várias sem impôr nada que não sejam reflexões, e sem diminuir nenhuma cultura. E se você é ateu ou agnóstico, não se sente pressionado de forma alguma a acreditar em alguma coisa. Pode tranquilamente encarar tudo como uma grande ficção, apesar de no começo do livro o autor escrever uma advertência dizendo que é tudo ficção, apenas os deuses são reais, rs.

Obs.: A seguir tem uma seção com spoilers - que você precisa selecionar o texto pra ler -. Então se você não leu o livro e não quiser perder partes das surpresas da história, pode pular com calma pra seção seguinte: curiosidades. =)

Além da premissa (CONTÉM SPOILERS) *selecione o texto para ler

Os deuses estão em guerra. Uma guerra entre os deuses antigos e os novos, e Wednesday (também conhecido como Odin) quer juntar os deuses com o intuito de fortalecer a crença antiga. Só que Wednesday não é tão bem recebido pelos outros deuses, por ter uma fama de “trapaceiro” e Shadow é contratado por ele justamente para ser um tipo de guarda-costas e fazer tudo o que o Wednesday quiser, sem questionar. Já no primeiro recrutamento deles, para convencer Czernobog, deus eslavo da escuridão, Shadow perde uma partida de damas em que tinha apostado "sua vida" - na verdade, uma martelada na cabeça -. Numa melhor de três consegue que o deus se junte a eles. E esse é só o começo. A busca por deuses antigos de todos os cantos continua. Eles estão enfraquecidos, uma vez que na atualidade a tecnologia, a televisão, helicópteros, tomam conta e são idolatrados. 

Ao final do livro - mais precisamente nas duas últimas partes -, tudo vai se juntando de forma brilhante na guerra, na qual o Wednesday morre para por fim juntar todos de uma vez. A questão da guerra ser vista apenas como uma grande tempestade para os meros mortais foi uma metáfora muito interessante, porque aproxima o mundo fantástico com nossas experiências pessoais. Torna tudo mais “real”. E aposto com vocês que depois de ler esse livro, nunca mais vão ver uma tempestade com os mesmos olhos, rs. Toda a guerra real se passa “por trás do palco”, onde somente os deuses e pessoas diretamente envolvidas têm acesso. Isso tudo pra mim é demais, me cativa instantaneamente.

Nesse momento o personagem Shadow vai se desenvolvendo muito mais do que em todo o decorrer do livro. O papel dele nesse momento da história acaba sendo crucial, desde sua vigília - amarrado a uma árvore junto ao corpo morto do Wednesday - quando ele meio que vai se fundindo com a natureza e a própria árvore, “morre” e descobre toda sua razão de ser. É aí que ele descobre que na verdade é filho do Wednesday e entende melhor sua vida e as trapaças do pai. Passa por "poucas e boas", encontra a paz, mas é trazido de volta para revelar a todos que na verdade o Wednesday queria usar a guerra pra ganhar forças para si, uma vez que receberia vários sacrifícios em seu nome. Shadow atua então como pacificador, e a história vai se fechando pouco a pouco até que todos os cenários sejam resolvidos. 

No final das contas, acaba sendo uma história de um personagem que está saindo de um estado de vida letárgico e vai se encontrando, se descobrindo. Sua vida acaba encontrando um propósito, ao mesmo tempo em que perde o sentido. Se tudo o que fiz foi por causa dos deuses, onde ficam minhas escolhas? E quando tudo “se resolve” ele decide viajar pra bem longe, porque não tem mais um lar, um lugar pra chamar de seu. 

“Ficou imaginando se o que se entende como “casa” era a coisa em que um lugar se transformava depois de um certo tempo ou se era uma coisa que se encontrava no final, se você simplesmente caminhasse, esperasse e desejasse aquilo por tempo bastante.”

Curiosidades

  • Ao que parece o Neil Gaiman quis fazer aqui algo bem americano de raíz, uniu sua paixão por mitologias com uma road trip pelos Estados Unidos enquanto escrevia o livro. Sua intenção era conseguir ambientar melhor a história e a experiência do protagonista. Inclusive existe um documentário (American Gods: Origins) que conta melhor sobre esse processo de produção, parece ser interessante e vou conferir melhor depois. 
  • Quanto mais Neil Gaiman você lê, mais encontra referências. Aqui eu encontrei algumas referências ao livro Lugar Nenhum e AMEI TANTO. 
Lugar Nenhum, editora Conrad
“Ele podia estar lá, ali em Lugar Nenhum, havia dez minutos ou dez mil anos. Não fazia diferença: tempo era uma coisa da qual não sentia mais nenhuma necessidade.” p. 384
Só de saber que o universo de lá estava de alguma forma aqui me deixou bem animada. Pra mim os livros do Gaiman são assim: acabam com gostinho de quero mais. E quando você encontra esse “mais” é só alegria. Li que o livro também faz referências a obra Sandman, incluindo em uma delas a personagem Delirium. Se você já leu outros livros e encontrou alguma outra referência comenta aqui que eu vou gostar de saber. =)
  • Bom, não sei vocês, mas eu adoro livro “com trilha sonora”. Às vezes calha da gente estar ouvindo algo e combinar bem com o clima da história, ou o próprio livro faz referências a músicas e você fica ouvindo enquanto lê. Aqui aconteceu isso. The Way You Look Tonight (e eu ouvi a versão de Billie Holiday) foi cantada no karaokê por um certo personagem, comecei a ouvir essa música e continuei com uma compilação da artista, e não é que caiu bem continuar lendo ao som dela? Fica aqui então a minha recomendação, se você gosta de jazz.
  • Existem outras histórias que se passam no mesmo universo de Deuses Americanos, uma delas eu li antes mesmo de saber que era. Os Filhos de Anansi. Ele conta mais da história de um dos deuses citados aqui, o Mr. Nancy. Vale muito a pena ler também.
Os Filhos de Anansi, editora Conrad
Aparentemente o Gaiman planeja lançar uma sequência direta de Deuses Americanos e já deve estar trabalhando nisso (o plano era começar a escrever em 2012, então vamos aguardar). E já tem dois contos escritos, “Monarch of the Glen”, que se passa dois anos após Deuses Americanos, e “Black Dog” que se passa um ano depois. Esses ainda não possuem tradução e eu to descobrindo sobre eles meio que agora, então não li ainda, mas vou procurar.
  • E aqui vai uma curiosidade pessoal. Esse foi o meu 200º livro lido na vida se eu não esqueci de marcar nada no skoob, claro, rs, segundo o meu skoob e fiquei muito honrada em poder alcançar uma marca dessas com um dos meus escritores favoritos. E agora vou poder começar a ver a série American Gods, que estreou dia 30/04. Já tem quatro episódios e eu to aqui papando mosca, doida pra começar a ver.

Até mais!

4 comentários:

  1. Muita coisa, aaaahh, difícil até selecionar o que comentar! Ameyyy!
    Acho que o comentário principal é que agora também estou louca para ler e assistir a série. Que os Deuses me ajudem a ter tempo pra isso uhashuauuhahusa
    Adorei a citação "Diz que a linguagem é um vírus, que a religião é um sistema operacional e que as orações são a mesma coisa que a porra do spam." e a parte da música como cor. <3
    Não sabia que tinham tantas referências e entrelaçamentos entre as obras. Mais um motivo para ler.
    Curti a dica de música para a leitura, vc podia sempre colocar.. playlists no spotify também seria legal ;) apesar de eu ainda usar deezer huashahua
    Acho que é isso!
    parabéns pela resenha, ficou ótima! E feliz dia do orgulho nerd!

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    1. Você vai amaaaar esse livro! É muito a sua cara, tanto em todas as mitologias, como nos deuses novos e tecnológicos. É muito você esse livro mesmo. rs Ah, eu adoro mesmo encontrar tipo a playlist perfeita pra ler. Vou tentar encontrar e compartilhar isso sempre que der sim. Adorei a dica de montar playlist no spotify, vou tentar. xD

      Obrigada de verdade, moça! Feliz dia do orgulho nerd pra nós! \o//

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  2. Esse livro me prendeu mais desde o início do que pra vc, eu acho. Eu gosto desse contraste entre o mundano, o dia-a-dia, e o épico, em que deuses decidem o destino do mundo sentados numa mesa de bar tomando uns drinques. É algo grande tratado com casualidade, é uma característica forte do Gaiman que tb está presente no Stephen King por exemplo, e eu amo autores assim.
    Deuses Americanos é longo mas não é cansativo e o legal é ver a série logo depois, que é diferente mas tão louca quanto, e complementa muito bem o livro. A coincidencia é que Neil Gaiman é um dos meus favs na literatura, enquanto que o Bryan Fuller é um dos meus favs na televisão, então é como se fosse um dream team. Uma pena é que o Fuller tenha saido da série e a segunda temporada teve uma produção conturbada. Boatos de que o Gaiman e ele se bateram um pouco por conta de decisões criativas; acho que ele tava querendo uma parada mais fiel ao seu trabalho, não sei.
    No geral, ótima análise, ressaltou todos os pontos maneiros do livro.

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    1. Só agora vi seu comentário aqui, rsr. Obrigada por ter vindo, moço! Ah, parando pra refletir sobre o livro tanto tempo depois eu tenho até mais carinho ainda por ele. Acho que a série ajudou também a consolidar mais a história na minha cabeça. Essa foi uma das minhas primeiras resenhas e eu não sei mais se eu tenho tanto orgulho dela, rsr. Mas faz parte da minha trajetória aqui. <3 Sabe que eu esqueci completamente da segunda temporada? Acho que eu nem soube quando saiu, não foi muito falado, né? Vou tentar assistir tudo atrasado por agora. xD E o bom é que tenho esse post pra lembrar das coisas do livro todas. rsr

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